Eduardo José Monteiro da Costa
Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Professor da UFPA e Presidente do Conselho
Regional de Economia do Estado Pará (CORECON-PA). E-mail: ejmcosta@gmail.com
Com o plebiscito do dia 11 de dezembro o atual estado do Pará que outrora já foi Grão-Pará, poderá vir a se tornar, em um futuro próximo, “Pará-Miri” ou “Parazinho”, como ironicamente vem sendo chamado por alguns.
A divisão territorial do estado é assunto polêmico e extremamente sério para ser tratado unicamente ao calor
das emoções, ou embalados por músicas empolgantes, comícios, carreatas, adesivagens e campanhas publicitárias caríssimas coordenadas por marqueteiros de renome nacional. Precisa ser pensada no tocante aos seus reflexos sobre os três estados remanescentes: Pará, Carajás e Tapajós.
No limite, a divisão territorial seria válida se fosse positiva para as populações dos três novos estados. É esta a discussão central. Não basta ser bom apenas para uma das novas unidades federativas, todos precisariam ganhar com este processo. Contudo, os dados demonstram que para o Pará remanescente a proposta de
divisão é muito perigosa, podendo deixar uma “herança maldita” que engessará significativamente a capacidade de gestão do governo, prejudicando a implantação de políticas públicas efetivas e eficazes e impedindo, em grande parte, a reversão dos lastimáveis indicadores sociais que nos fazem campeões em termos de mortes no campo, tráfico de seres humanos, prostituição infantil e tráfico de drogas, dentre outros.
O estado do Pará remanescente herdaria de acordo com dados do IBGE e do IDESP uma população aproximada de 4,8 milhões de habitantes (64% da população do atual estado do Pará), 218 mil quilômetros quadrados (17% da área territorial do estado do Pará), uma densidade demográfica de 22,2 habitantes por quilômetro quadrado e 78 municípios. O seu PIB, de acordo com dados do IBGE para o ano de 2008, seria de 32,5 bilhões de reais (55,6% do PIB do atual estado) e o PIB per capita de R$ 6.461, abaixo
do PIB per capital do Pará atual de R$ 7.007.
No levantamento de informações alguns dados chamam a atenção e demonstram que o Pará remanescente ficará com uma “herança maldita” para ser administrada. Além de ficar com o pior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos três novos estados, e o atual Pará já possui o mais baixo IDEB do país, ficaremos com o mais expressivo déficit em termos de leitos hospitalares por mil habitantes.
Além dos piores indicadores sociais ligados a educação e a saúde, o Pará remanescente herdará algumas áreas problemáticas. Não há dúvida que o atual dinamismo econômico do Pará está assentado basicamente na extração de minérios, no setor agropecuário e na realização de grandes projetos de infraestrutura. Neste ponto, com algumas exceções pontuais que ficariam com o Pará remanescente, como Paragominas e Barcarena, por exemplo, o Pará remanescente poderá herdar um vazio em termos de dinamismo econômico.
O Nordeste paraense, também chamado de Região do Salgado ou de regiões do Rio Capim, Rio Caeté e Guamá, é atualmente uma área econômica relativamente estagnada. Apesar de possuir a mais densa rede urbana e a maior densidade demográfica, a economia desta região encontra-se em processo histórico de estagnação.
Todavia, o destaque fica para com o Arquipélago do Marajó. Se há uma área “problemática” no estado do Pará esta área é a Região do Marajó que possui problemas endêmicos sérios, como a malária, deficiências crônicas em termos de transporte e infraestrutura e a necessidade urgente em se avanças na regularização fundiária.
Apesar de ser um local idílico, belíssimo, que poderia ser mais bem explorado em termos de turismo, o Marajó possui uma economia estagnada e os seus municípios encontram-se dentre os piores IDH do país. Isto mesmo, dentre os 50 piores IDH do país podemos encontrar todos os municípios do Marajó. Sem falar no tráfico de drogas, na prostituição infantil, na pirataria, na malária, no desemprego, na miséria... Assim, se a saída para o desenvolvimento fosse o separatismo, deveríamos começar discutindo a separação do
Marajó. Aliás, poderíamos pensar até em separar o Pará do Brasil!? (Sic.)
Neste ponto sou impelido a fazer uma digressão e olhar para o exemplo africano. Há cerca de 100 anos a partilha da África dividiu o território deste continente em pequenos países principalmente com o objetivo de favorecer os interesses econômicos das empresas mineradoras européias e da elite local cooptada destas
regiões. Quem ganhou com isto? As empresas mineradoras e a elite econômica local.
Passado cerca de um século a partilha da África não gerou desenvolvimento para estes países. Muito pelo contrário, estes países possuem sociedades altamente desiguais e somente uma pequena elite econômica local realmente se beneficiou deste processo.
Fechado a digressão cabe perguntar: e a Região Metropolitana? O que herdará neste processo? Sabemos que a economia da RM de Belém tem grande parte do seu dinamismo econômico ligado ao setor terciário. E aqui uma observação fundamental que não tem sido discutido como deveria.
A dinâmica do setor terciário, o famoso setor prestador de serviços, é influenciado diretamente pela dinâmica do setor turismo, agropecuário e industrial. Com exceção do turismo, a dinâmica atual do setor agropecuário e industrial encontra-se em grande parte nas áreas que almejam emancipação, principalmente no estado de Carajás proposto.
Desta forma, como a divisão haverá uma dinâmica natural de migração dos serviços para as novas capitais
(Santarém e Marabá) e a RM de Belém se verá em um quadro de fuga de empregos. Indo mais além, a dinâmica econômica do Pará remanescente não terá um dinamismo necessário para ativar a economia da RM de Belém, e a metrópole do atual estado do Pará entrará em um período indefinido de recessão econômica. Este ponto precisa ser seriamente debatido.
Somado a isto, o Pará remanescente deverá herdar um governo com baixa capacidade de intervenção em termos de políticas públicas. Já somos um estado considerado do ponto vista federativo ineficiente. Gastamos em torno de 16% de nosso PIB com a manutenção da máquina pública (a média nacional é de 12%). Com a
divisão, o Pará remanescente gastará, conforme dados apresentados pelo economista Rogério Boueri do IPEA, em torno de 19% do PIB. Herdaremos um estado pobre, com sérios problemas sociais e com baixíssima capacidade de intervenção.
Somam-se a isto algumas perguntas fundamentais. Quem arcará com a construção da nova estrutura
administrativo-burocrática dos novos estados? Este ônus poderá recair para o Pará remanescente!? Quem herdará a dívida do atual estado do Pará? Quem ficará com o passivo dos servidores inativos?
É por estas questões que o tema do separatismo precisa ser seriamente debatido. Não podemos votar no dia 11 de dezembro no calor da emoção. A separação poderá condenar o estado do Pará remanescente a um futuro econômico e social tenebroso, se constituindo como uma verdadeira “herança maldita”.
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